Apresentamos hoje uma nova rúbrica intitulada "Onde As Colunas Dão Som". Uma rúbrica que pretende divulgar as melhores iniciativas em Português em prol da música independente, e da música como paixão central de tudo. Procuramos dar a conhecer, pelas nossas palavras, os melhores projectos de criação, edição, promoção ou divulgação de música em português, sem filtros, sem preferências, mas sempre com um enorme sentido de amor à musica e a quem a ela se dedica de alma e coração.
Há nomes que marcaram o nosso imaginário da techno há muitos anos, por várias razões: por terem tido um papel importante na divulgação desse e outros géneros da eletrónica em Portugal, por terem feito curadoria dos palcos de música de club de dois dos maiores festivais que por cá acontecem e agora serem responsáveis por um exclusivo desse género, ou bem por terem estado à frente de um dos espaços noturnos de dança que contava com programação digna dos melhores clubes da Europa. Estamos a falar da dupla de dj’s Mary B e João Maria, que este ano se lançaram de cabeça (tronco, membros e alma) para mais um projecto que promete marcar toda a diferença no panorama da música nacional. Fomos conversar com eles e conhecer este espaço e saímos de lá com a certeza de que a música, ali, está em boas mãos.
Collect – O Bar/Restaurante
“Não é o foco principal mas sempre fez parte do conceito quando o idealizámos”, começa por dizer Mariana Barosa (a.k.a. Mary B, cofundadora da Collect), que também afirma que neste momento de pandemia é o que os ajuda a manter o espaço aberto “estamos abertos das 15h à 1h da manhã, somos um restaurante…”. E continua a sua apresentação, “a Collect sempre foi pensada como uma experiência, sempre quisemos oferecer música a quem vem por ela, permitindo ficar por tudo o resto. Por exemplo, há pessoas que vêm pela loja de discos e outros que vêm acompanhá-los. Numa loja de discos normal estes não teriam nada que fazer, mas aqui podem sentar-se, beber um copo, comer algo ou fica a ouvir a emissão da rádio ou os live sets que temos aqui.” É, de facto, notória toda a simbiose improvável que acontece no primeiro andar da Collect de forma tão natural que ficamos a achar que uma loja de discos, uma rádio e um restaurante foram feitos para coexistir. E isto deve-se também ao facto como os seus funcionários e os próprios fundadores se movimentam pelo espaço e falam sobre ele.
A certo momento, sentimo-nos tão à vontade que quisemos saber se um cliente poderia comprar um disco, sentar-se para jantar e pedir para ouvir o disco que acabara de comprar, o momento foi de risos, “não, ainda não temos essa vertente de jukebox!” foi a resposta quase em uníssono por parte dos fundadores, mas a Mariana prossegue e explica que “já nos pediram se podíamos passar uma música específica, eu respondi-lhes que podia não a ter, porque nós estamos sempre a atualizar a playlist… mas muitas vezes passamos discos que estão à venda aqui na loja, e dessa forma será possível comprar um disco que está a passar ou passou na loja (risos).”
Collect – A Loja de Discos
Este “espaço” que é a loja de discos é, na verdade, o factor mais empactante quando se chega ao primeiro andar, com discos apresentados num balcão corrido, logo ao fundo das escadas e depois espalhados pelas paredes de toda a sala. O João fez questão de frisar o factor diferenciador desta para as outras lojas de discos da cidade, “a loja é especializada em segunda mão. E tudo o que temos de novo são reedições de coisas antigas. Exploramos os anos 90, mas se formos para o jazz, soul, etc., já estamos a falar de 70/80…” algo que só por si já é bastante interessante, mas o dj continua a a explicar “nós compramos colecções. Procuramos colecionadores que tenhamos algumas certezas de qualidade, que tenham bons discos, em bom estado e adquirimos aqui para a loja. Não são colecções quaisquer. E depois adquirimos as tais reedições de coisas antigas. Temos discos que nos seus originais tinham sido vendidos por 2000€ e nós aqui vendemos a reedição por 20€/30€, por exemplo.” O DJ prossegue e acaba por confessar a origem do nome deste espaço, “as colecções sempre fizeram parte das nossas vidas, foi isso que temos [João Maria e Mary B] andado a fazer ao longo de 20 anos por isso é que se chama Collect. E das colecções nasce a loja, nasce a rádio, eventos, festivais…”

Enquanto amantes da música, sentimos que este cuidado que a Collect – Loja de Discos apresenta é quase como um serviço público e todos os amantes de música deveriam conhecer e explorar este espaço pelo menos uma vez.
Collect – A Rádio
Sempre houve uma forte ligação entre estes dois dj’s e a rádio, o que os levou a querer criar este canal de rádio. “É um espaço independente, nós temos liberdade e damos liberdade aos nossos convidados para tratarem o seu tempo como quiserem”, quando questionada sobre o facto de as emissões serem só dj set, “não é só de música que se trata, há conversas, a Penélope convida sempre um outro artista e tem um tempo para o entrevistar, o Honesty divulga temas não editados de artistas portugueses e acaba por os apresentar, e nós próprios, quando convidamos algum dj que tenha uma editora perguntamos sempre sobre que novo trabalho estão para lançar, que outros artistas têm sido trabalhados, etc.” prosseguem a meias a Mary B e a Telma, responsável pelo marketing e também dj da rádio.

Para além desta dinâmica que a rádio apresenta, em formato online, existe também o live streaming dos dj’s e os concertos que de quando em vez vão acontecendo no primeiro piso da Collect. “Não tem sido fácil ter concertos aqui, nesta altura. No início [da Collect e também da pandemia], antes da quarentena, a cabine da rádio estava no piso 0, virada para a rua. Ia atraindo público e clientes, malta interessada. Mas depois com esta limitação dos horários e tudo mais, tornou-se cada vez mais complicado, queríamos ter muito mais concertos a acontecer aqui neste espaço.” E nós compreendemos que a equipa da Collect podia e queria estar a oferecer mais aos amantes de música como nós e vocês, como se notava na voz da Mariana e nas caras dos colegas que a ouviam.
Os tempos são difíceis, mas se há esperança no meio disto tudo e se a Cultura (da Música, do Clubbing, dos Discos) precisa dela, a porta para que ela entre foi aberta pelas mãos desta equipa confiante, sorridente e amigável da Collect, que “não é apenas uma morada”, mas que já agora, fica na Rua Nova do Carvalho 60, em Lisboa.
Collect – A Editora
Tendo sido a última vertente a “entrar” para a Collect, nunca deixou de ser um sonho antigo, como introduzia Mary B, antes de chamar João Maria, que viria a falar mais aprofundadamente do que move a editora. Quisemos saber, logo à partida, qual seria o nicho que procuravam para a sua editora, se intencionavam ocar-se num género específico ou se seriam tão abrangentes como o espaço Collect aparenta ser, “hmm… O pimba, o popular romântico…” brinca o dj e responsável pela editora, quebrando ainda mais o gelo desta conversa que desde o início se mantinha tal e qual como o que se mostrava ser: uma conversa de bar à volta de uma mesa. João Maria voltava à resposta, “o nosso ADN é a música eletrónica, como é óbvio, mas enquanto editora é um bocado de A a Z, desde que seja boa música” e explica, “podemos facilmente encontrar pontos comuns entre outros género e a eletrónica. Queremos que a editora seja um bocado como aquilo que se pode encontrar na loja de discos, a comunhão entre vários géneros num mesmo espaço”. Ficou-nos marcado o facto de se estar a ouvir um brilhante funk/jazz enquanto decorria a conversa, complementando na perfeição aquilo que os “pais” da Collect nos iam contando.
Em pouco tempo, o dj fala-nos da sua colecção privada, dos objetivos da editora e do lançamento do primeiro artista e do seu primeiro single associado a esta nova editora. Conduz-nos então para Vasco Narciso e a sua Leve, primeira canção retirada do EP de estreia que conta com 4 faixas e que agora é lançada pela Collect. Um trabalho que os orgulha a todos e que representa um feliz acaso, como relembram os artistas João Maria e Narciso, “o Vasco vinha para um jantar com amigos e um dos seus amigos, que nós [João Maria e Mary B] já conhecíamos, pediu para tocar umas canções. Acabou por convidar o Vasco para se juntar a ele e é nesse momento que o Vasco decide mostrar-nos o seu trabalho. Pensámos: é isto que precisamos para a nossa editora.”
Narciso – Anticorpo EP

Narciso é o alter ego de Vasco Narciso, um artista multi-instrumentista que flutua entre o jazz, os ritmos dançantes da eletrónica, o pop, o indie rock, por outras palavras, Narciso inclui em si um mundo sonoro, tanto em termos de estilo como de emoções que ora o levaram a compor as canções ora se manifestam em nós ao o ouvirmos.
Vasco foi surfista de alta competição, desportista e pouco ligado à música, quando pediu a um amigo de infância que lhe ensinasse a tocar guitarra, o suficiente para animar os fins de tarde de praia. Sem compromisso inscreveu-se no Hot Clube, “aventura” que viria a mudar o rumo da sua vida.
Anticorpo é um trabalho composto por 4 canções introspetivas, quatro histórias que vão sendo contadas pelo artista. Há um prazer diferente ao escutar este EP, Vasco leva-nos a vaguear, por minutos, de Amsterdão para Lisboa, para Oeiras e para Amsterdão outra vez e isto dá-nos esse prazer diferente porque chegamos a sentir que a viagem é palpável, não se fica pelo transcendental, encontra-nos e carrega-nos quase que de forma mandatária. E no fim, é um sonho. Ou pode ser, segundo nos contou Narciso.
Abre com Bom Amigo, e é como bons amigos que nos sentimos ao ouvir as primeiras notas da sua guitarra. Os efeitos mais profundos dos teclados e sintetizadores relaxam-nos e convidam-nos a ouvi o que Narciso tem para nos contar. Soa quase como um desabafo, uma conversa entre bons amigos.
O “futurismo” do músico abre mais uma canção, Leve, o single, é quiçá mais leve que a anterior, mas mais acelerada, um upbeat que nos empurra sem pedir licença para a pista de dança. Não deia de ser engraçado como as harmonias entre os instrumentos tornam tudo mais “tosco”, mais livre, como se de uma dança de libertação e livre arbítrio se tratasse.
Se dividíssemos este pequeno EP em duas partes, ao ouvir Espuma e Violeta estaríamos certamente num registo menos futurista e espacial mas mais terreno, palpável e visível.
Espuma coloca-nos em cima da prancha do ex-surfista profissional e toda a canção é passada na crista de uma onda. Já Violeta é uma balada à antiga, para se dançar agarrado a quem se ama, qualquer tipo de amor, o que importa aqui é sentir.
Mais sobre Narciso pode ser encontrado nestes links:
Bandcamp – Instagram – Spotify